Para ser livres
Sem dúvida alguma, a liberdade não é uma utopia. Ela
é, intrinsecamente, desafiante, mas não irreal. É fato que a liberdade
aqui proposta, no sentido de uma autonomia identitária (posse contínua
da própria identidade), é realidade exigente e profundamente
"desinstaladora" para toda e qualquer pessoa.
Vivemos
em um tempo no qual muitas pessoas “existem” sob os fardos de uma
profunda crise identitária e constantemente representam diferentes
personagens – em nome de ideologias e modismos – e, infelizmente, o que
realmente se é acaba ficando submerso em meio a essa teia de
representações.Cada ser humano possui uma história, uma
essência, enfim, uma específica identidade. Pena que são raras as
pessoas que conseguem, de fato, contemplar – com inteireza – e assumir o
que verdadeiramente são. E aqui é uma questão de assumir o ser, o que
realmente se é, e não as deformidades e vícios que nossa história foi –
silenciosamente – agregando à nossa personalidade.
Temos,
muitas vezes, uma grande facilidade de nos assumir no pior de nós.
Contudo, não é unicamente o pior o que configura a nossa verdadeira
essência, pois não somos – definitivamente – apenas nossos traumas e
erros, antes, somos muito mais: seres criados a partir de um grande Amor
e com uma enorme capacidade de amar e fazer o bem.
Nossa
identidade não mora apenas no que sentimos, muito menos em nossas más
tendências. Não é porque nos sentimos continuamente arrastados por
desejos maus e impuros, ou até mesmo contrários à nossa real identidade
(psíquica, afetiva e sexual), que somos exatamente isso que estamos
sentindo. Não. Sentir não é a forma mais exata de existir e, em muitas
ocasiões, o que sentimos será apenas uma triste consequência das
circunstâncias duras e fragmentadas às quais nossa história foi submetida.
Nós
não somos nossas más inclinações, nossa identidade não reside aí. O mal
incorporado à nossa personalidade é, inúmeras vezes, a nós agregado
pelas deformidades e dores que compuseram nossa existência, e não são o
fruto de nossa verdadeira essência e identidade.
É
insanidade assumir a mentira como verdade (cf. Is 5,20). Mais ainda o é
assumir a deformidade como uma maneira concreta de existir. É preciso
reagir às fragilidades e traumas que buscam sufocar nossa real
identidade, pois isso se estabelece como um entulho que busca sufocar
toda vida que está abaixo de si.
É preciso a tudo isso reagir!
Não
somos nossos defeitos e erros e, diante destes, precisaremos
perenemente nos posicionar, protagonizando nosso futuro; e entendo que
nossas circunstâncias não possuem o poder de eternamente nos definir.
Faz-se necessário acreditar que existe uma essência boa em cada um de
nós e que o defeito não é o que antropologicamente constitui nossa
identidade. A fraqueza está em nós, mas, não nos define. Ela (fraqueza)
só o fará se constantemente nós a alimentarmos, afinal, a planta que
mais cresce é a que mais regamos…
Existe
uma força de superação dentro de cada um de nós e, independentemente de
como tenha sido nossa a história pessoal, poderemos reconstruí-la –
ainda que a partir de seus escombros – e carregá-la com um novo sentido.
É preciso não se conformar diante do mal, que
deseja aprisionar nossa “identidade”, sempre lutando em um esforço de
continuamente se reinventar, para assim redirecionar tudo o que já
passou em uma mais acertada construção daquilo que virá.
Tal
tarefa é possível. É realidade confiada a nós que, aliados à Graça,
seremos capazes de, em quaisquer circunstâncias, transcender toda morte
para em tudo fabricar vida e ressurreição
Padre Adriano Zandoná
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