IMACULADA CONCEIÇÃO
Alegra-te, ó Toda Cumulada Pela Graça
O
tempo do Advento tem, sem dúvida alguma, um sabor mariano. É com a
Virgem que melhor aprendemos como esperar o Sol que nasce da Aurora, o
Cristo, nosso Deus! Por isso, é muito conveniente celebrar a Solenidade da Imaculada Conceição de Maria, a Virgem.
O
que a Igreja crê e celebra neste mistério? A Escritura Santa nos ensina
que a humanidade fora criada por Deus para a comunhão com Ele, para ser
feliz convivendo com Ele, construindo a vida e o mundo. Mas,
infelizmente, desde o início da história humana e até hoje, nossa raça
foi dizendo “não” ao sonho de Deus. Quisemos e queremos ainda ser como
deuses, conhecedores do bem e do mal (cf. Gn 3,4s); queremos viver a
vida de modo autônomo, como se a existência fosse nossa e não um dom
recebido do Senhor. Se não dizemos, pensamos muitas vezes: "A vida é
minha; faço dela o que eu quero! O resultado dessa atitude tem sido
trágico: tornamo-nos uma humanidade ferida, esfacelada num mundo também
ferido e esfacelado.
Somos
todos presa de um enorme fechamento para Deus, uma desconfiança n'Ele,
uma tendência a não percebê-Lo. Por isso somos profundamente
desequilibrados no nosso modo de nos ver, de ver a vida, de nos
relacionar com os outros e com o mundo. Somos um poço de contradições,
de paixões, de anseios desencontrados e sentimentos, muitas vezes,
destrutivos. Somos, pois, profundamente feridos de morte, feridos até a
morte! É esta situação miserável que a Igreja denomina “pecado
original”, pecado que já nos marca desde o primeiro momento de nossa
existência: “Minha mãe já concebeu-me pecador” (Sl 50,7). É desta
situação miserável, sem saída, que Cristo nos arranca com a Sua
encarnação, Sua vida, Sua morte e ressurreição com o dom do Seu
Espírito: “Todos pecaram e estão privados da glória de Deus, e são
justificados gratuitamente em virtude da redenção realizada por Jesus
Cristo” (Rm 3,23s).
Pois bem, a Igreja crê, firmemente, que a toda Santa Virgem Maria,
desde o primeiro momento em que foi concebida no seio de sua mãe, foi
preservada por Deus desta solidariedade com esta situação de pecado. Nós
já nascemos marcados de morte; ela, desta marca de pecado foi
preservada; nós, precisamos ser arrancados da lama do pecado graças à
cruz do Cristo; ela, pela cruz do Cristo foi liberta desde a origem e,
sequer, foi tocada por esta lama maldita; nós fomos redimidos, porque
lavados desta lama; ela foi ainda mais perfeitamente redimida. porque,
pelos méritos da Paixão do Senhor, sequer experimentou esta situação de
pecaminosidade.
Desde o ventre materno, desde o primeiro instante de sua concepção, o Senhor a libertou graças aos méritos de Cristo. Ela, a Virgem, pode ser chamada Toda Santa, isto é, Toda Santificada. Ela pode cantar as palavras da profecia de Isaías: “Com
grande alegria rejubilo-me no Senhor, e minha alma exultará no meu
Deus, pois me vestiu de justiça e salvação, como a noiva ornada de suas
jóias!”
A
Igreja crê nesta Concepção Imaculada da Mãe de Jesus e com ela se
alegra. E crê fundamentada na Escritura Sagrada. A Palavra de Deus não
afirma que o Senhor colocou uma inimizade de morte entre a serpente e a
Mulher, entre a descendência da serpente e da Mulher? Quem é esta
Mulher? Não é aquela a quem Jesus chama Mulher em Caná e ao pé da cruz?
Não é aquela de quem São Paulo diz: “Quando chegou a plenitude dos
tempos, enviou Deus o Seu Filho nascido de Mulher? Como, pois, poderia
estar sob o domínio do pecado, fruto da serpente, a Mulher de quem
nasceria o Cordeiro sem mancha, que tira o pecado do mundo?
Estejamos
atentos ainda no modo como Gabriel saudou a Virgem no Evangelho: ele
lhe muda o nome! Não diz "Alegra-te, Maria!”, mas “Alegra-te, Cheia de
Graça!”. Cheia de graça, kecharitomene, do verbo charitô, agraciar.
"Alegra-te, ó Toda Cumulada Pela Graça!", "Alegra-te, ó Mar de Graça, ó
possuída totalmente pela graça! Em ti, Virgem Maria, não há o mínimo
lugar, a mínima brecha para a “des-graça” do pecado!" – É isto que
significam as palavras de Gabriel. Podem crer: Deus juntou toda água um
dia e chamou de mar; Deus juntou toda graça, outro dia, e a chamou de
Maria!
A Virgem não é dona da graça;
ela a recebeu totalmente. A Virgem não é imaculada por seus próprios
méritos, mas pelos méritos daquele que, nascido de suas entranhas
benditas, venceu a antiga serpente e destruiu o antigo inimigo.
Observemos que esta ideia aparece na segunda leitura da Missa desta
solenidade. O que diz o apóstolo? O Pai “nos escolheu em Cristo, antes
da fundação do mundo, para que sejamos santos e irrepreensíveis sob o
seu olhar, no amor. Ele nos predestinou por intermédio de Jesus Cristo
(Ef 1,4s).
Se
todos somos fruto de um sonho eterno de Deus, se todos somos
predestinados em Cristo, desde antes da fundação do mundo; se o Senhor
conheceu nossos dias antes mesmo que um só deles existisse, pois bem: em
Cristo, Deus, o Pai, preservou a Mãe do Seu Filho do pecado, graças ao
Seu Filho! Que nossos irmãos protestantes se alegrem conosco pelaImaculada Conceição de Maria:
ela é bíblica, ela exalta enormemente a grandeza abundante da graça de
Cristo, único Salvador! São Paulo diz que “todos pecaram e estão
privados da glória de Deus”; assim estaria a Virgem sem a graça de
Cristo; mas disso foi libertada no primeiro momento de sua existência,
graças a Cristo!
Esta
é a beleza desta festa: o triunfo da graça, celebrar a graça de Cristo
que age antes mesmo do nascimento histórico de Cristo! Que graça tão
grande, que Salvador tão potente, que Deus tão previdente! E para nós,
que alegria contemplar o mistério, vislumbrá-lo, mergulhar nele! Hoje, a
Virgem foi concebida livre do pecado; hoje, começou a raiar a aurora do
dia sem fim; surgiu a puríssima Estrela d’Alva que anuncia o Sol, que é
o Cristo, nosso Deus!
A
Igreja, exultante de alegria, tem palavras lindas na celebração
litúrgica no dia da Imaculada. No Ofício Divino, ela assim se dirige à
Virgem Toda Santa: “Com a vossa Imaculada Conceição, Virgem Maria, um
anúncio de alegria percorreu o mundo inteiro” e, mais adiante, no
Ofício, continua, admirada: “Toda bela sois, Virgem Maria, sem mancha
original! Sois a glória de Sião, a alegria de Israel e a flor da
humanidade”. E, imaginando a resposta da Virgem, coloca nos seus lábios
estas palavras que ela dirige ao Senhor: “Foi nisto que eu vi, porque
vós me escolhestes! Porque não triunfou sobre mim o inimigo, porque vós
me escolhestes!” Isso mesmo: mais que ninguém, a Virgem é devedora a Cristo: Ele a escolheu, a preservou, sustentou-a e teve por ela uma predileção inigualável!
Alegremo-nos
nós também! Em Cristo o pecado pode ser vencido! A Conceição Imaculada
de Maria é sinal belíssimo desta vitória! Alegremo-nos, porque a
Imaculada Conceição de Nossa Senhora é o feliz princípio e o primeiro
albor da salvação que o Senhor Jesus nos traz! Bendita seja a cruz de
Jesus, que antes de ser fincada no Calvário, já libertou com seus raios a
Virgem de todo pecado! A Jesus, fruto bendito, do bendito ventre da
bendita Virgem Maria, a glória pelos séculos dos séculos. Amém.
Dom Henrique Soares da Costa
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